Argamassa

" a cena repete, a cena se inverte, enchendo a minha alma daquilo que outrora eu deixei de acreditar" (...)

E as coisas terminam da mesma forma como começaram: imoderadas. Porque os ensejos simplesmente, se esvaíram e as quedas agora se dão por meio de sonhos que se findam em si mesmos, avulsos e iminentes. Invertendo papéis.
O mesmo consumo que antes me fazia querer fugir, hoje é também impulso para continuar insistindo. Insistindo em continuar a desistir. Desistir das perdas pela metade, das escusas e dos planos temporários. É como se não dar o beliscão que interromperia o pesadelo fosse o que ainda lhe permite continuar respirando debaixo d’água, entende? Porque de uma forma ou de outra, embora muito pouco tenha saído do lugar, muita coisa mudou. Quem não se lembra de mim? A mentirosa auto-suficiente que pesava cem quilos de grilo e medo e vivia fugindo de si e dos outros para tentar de alguma maneira, abdicar tudo o que eu já não podia mais controlar e que com um certo esforço contrário acabava se fundindo no tempo e consequentemente me corroendo por dentro. E você, a presunção em pessoa que se dividia em pedaços pra corrigir as nossas tentativas mal feitas que usávamos como escudos numa guerra de trincheiras contra nós mesmos, fazendo da dor suprema ousadia em hora extra, simulando fantasias que escorregavam, garis da decadência.
E ainda que seja difícil para ti entender, eu não quero alguém que me complete. Eu quero alguém que seja a minha própria continuação. Do avesso.

confissões

Sabíamos que mesmo sendo inúteis, as tentativas continuariam sendo feitas. Nada que comprometesse ambos os lados. Era apenas precaução. Você e sua velha mania de se municiar contra tudo e todos. Demasia.
E gradativamente as procuras, foram se tornando também as esperas. Porque de repente nossa carta de alforria era coincidentemente o motivo pra gente querer ficar. Nossos papéis se inverteram e a gente se (con)fundiu entre o tempo que passou e o que ficou pendente. Suspenso e em suspense.

E eu cansei dessa letargia. Expectativas são inebriantes demais para se esperar alguma coisa.

Remetente

Mais do que uma partilha, amizade é acima de tudo sinônimo de aprendizado. No curso do tempo acabam transpondo um infinito de cores, sons e momentos nunca antes previstos que crescem com a mesma intensidade do sentimento que aos poucos se faz florescer para ambas as partes, e de uma forma tão sutil que quando nos damos conta, o coração já se responsabilizou em estabelecer uma consangüinidade entre pontos e contornos que aos poucos se entrelaçam e desfiam a união de dois corpos que juntos, nos acordes de um só paralelo descobrem afinidades humanas em meio a tons disformes e afinações descompassadas. E o descontrole vira controle remoto da diversão, permitindo assim o equilíbrio entre os extremos de um e outro através das diferenças, das incertezas que aumentam a nossa sede contínua do exagero e nos aproximam cada dia mais. E quem diria que hoje seríamos assim tão intimas, tão donas de nós mesmas dentro de uma simbiose múltipla e inconstante. E eu venho aprendendo que de vez em quando é preciso confiar nos outros pra depois confiar em nós mesmos. Porque às vezes tudo o que falta é o empurrão. O impulso de um sorriso ou de um ombro amigo que faz você buscar forças lá nas suas próprias fraquezas. O aconchego de um abraço nos dias frios que lhe servem como alicerce e recolhem a lágrima antes que essa salte dos olhos e escapem pelas bordas. O pedacinho de sonho que a gente cuida junto e confia pro mundo pra se realizar. Porque amigos não têm espaço, tempo ou memória, são feitos apenas de saudade e recordações, compartilhando juntos os mesmos segredos e consequentemente, a mesma história.

Prematuro

Há uma pequena discordância entre nós.
Nossos passos já não se encaixam mais e se tentamos dançar sozinhos, terminamos tropeçando nos nossos próprios pés. Simultaneamente.
E então de saudade, o ócio se faz presente, recriando ilusões incontidas que a gente rabisca na mente e fica aguardando pra (re)viver.

borrão de cor

A gente se acostuma e vive correndo. Corre porque tem pressa.
Então esboça um sentimento qualquer, suplanta uma sujeira na alma e sai correndo fazendo conferência ao pânico; porque apesar de tudo – ou até mesmo por isso – sabe que correr é a única forma de continuar esperando. E por descuido ou cansaço, simplesmente deixamos nos desfazer, usando do improvável palco pra se redimir. E a gente abusa da própria estupidez pra se fazer de humilde, então descobre que é brincando de pique - esconde que se dá a cara à tapa (...)
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ Temos mesmo essa certa tendência ao exagero.

Subterfúgio

Os dias passam mais rápidos e o nosso futuro fica cada vez mais remoto. E a gente acaba se encontrando de novo, entre todos esses retornos que se alternam no nosso velho ritmo cíclico de re-começos. E é coração me servindo de despertador, dando bom dia ao anoitecer, bloqueando involuntariamente os furos da nossa trama. E eu acabo me entregando a mim mesma, contundindo todo o nosso tempo, que é presente aberto antes da hora. Então fica a impunidade que a gente aceita com relutância, mas que no fundo quer mesmo é que o outro revide pra abdicar tudo o que escorrega com autodenominações. E o pior, é que não é algo que a gente se force a fazer, elas iminentemente acontecem.
E essas coisas nunca mudam, elas apenas se diferenciam. Então é isso.
Se você quiser ficar, o problema é seu.