flor-e-ser

A verdade é que eu nunca me pertenci. E vivo sem freios, tropeçando nas minhas próprias interrogações; carregando as suturas que escoram as bordas da consciência, o limiar dos sonhos (...) Eu: a desapaixonada à espera do amor. Eu: a esfomeada que vive fazendo regime. E vivo palavrerrando. Como se pegasse às vezes o cansaço do mundo pra poder distrair o meu próprio cansaço. Porque meu peito é um ringue a céu aberto, um relicário de picardias. Sou ao mesmo tempo brasas e brisas. Eu: coadjuvante de mim mesma; mil personagens desde pequena; sou o perfeito espetáculo a procura do palco...

constâncias

Desculpo-me como se ainda pudesse fazer minhas próprias escolhas ou como se ainda fosse possível não olhar para trás. Porque eu precisei me afastar pra poder continuar por perto, entende? E eu paguei pra ver. Meti os pés pelas mãos; testemunhei o luto pela vitória, fiz o jejum dos esfomeados, assisti o seu “esforço-em-não-achar-tudo-errado” e defendi meus próprios inimigos... Perdi a vergonha como quem não tem nada a perder e me acostumei com essa coisa toda de sempre faltar e nunca caber. Mas a verdade é que eu sempre me importo, porque mesmo parecendo inalterada pelas minhas próprias desculpas, histórias como a nossa não mereciam um ponto final.

cirandas

Eu sempre acreditei na existência da distância. E agora, é engraçado perceber assim tão repentinamente como o tempo passou. Porque já se vão um mês, acredita? E eu não me dei conta de quantas mudanças passaram despercebidas desde que eu cheguei aqui. E isso é quase assustador (...) O tempo passou enquanto eu deixava o ontem na estrada e esticava as madrugadas insones. Enquanto os meus pés decoravam o novo caminho pra casa e a saudade se acomodava no peito. Um mês enquanto eu passava os rascunhos a limpo e adestrava os meus fantasmas internos. Enquanto eu tagarelava incansavelmente só pra não sucumbir no silêncio que denuncia essa ausência que tanto me perturba. Um mês enquanto eu fingia ser inconsequente só pra não lembrar da responsabilidade que é ser sozinha. Um mês enquanto eu simulava não saber o que é timidez e pedia pra estes novos rostos -agora tão corriqueiros- emprestarem seus sorrisos pros meus dias serem mais leves (..)

E agora sim, tudo se ajusta. Já falo com mais naturalidade os pronomes possessivos: minha casa, minha rua, minha cama, minha nova rotina...


Um mês. E o tempo passou enquanto eu brincava de ser adulta.

Adulterada. Adult-errada.

poemas e pétalas

Vez ou outra descuido da guarda e me deparo contigo.
Teus olhos-armadilha recolhendo a confusão dos meus dias. Teu riso tão meu suspenso em um raio de sol.

(...)

E tenho meus lábios se ajustando aos teus, um afeto esperando para existir e desejos que esbarram sem querer nas quinas do peito.
Eu: personagem de mim mesma. Que carrego comigo a timidez dos que não possuem certeza.
E você: credor de um coração negligente. Que faz ser singular aquilo que nos outros é tão comum.

Tão dono de si. Tão dono de mim...

amor-tecer

Eu vi teus olhos a emoldurar um infinito de possibilidades. Tua voz a preencher os detalhes. Teu silêncio a multiplicar minhas palavras (..) A saudade procurando um motivo pra ficar e o coração ritmando uma única certeza: você.

Não olha pra trás. Já foi.

(...)

Minha espera é a tua procura.
Tua fuga é o meu encontro.
E hoje, o imediato é o nosso tempo.

meio-tom

Às vezes sou grata pelo silêncio...
Pelos tempos sem data. Os sorrisos gratuitos. Os lampejos de cor recortando a retina...

É quando descanso meus olhos nos teus.
Quando a gente faz-de-conta. Quando a gente joga contra. Nas periferias do peito...

É quando posso ver o mundo contido num sorriso teu. É quando eu posso escrever um verso em que “você” rima “comigo”

(..)

miscelânea

Lá está ela: O mundo estendido sob os seus pés, o sol como um abraço... Nas veias: uma urgência que sangra. Nos olhos: o constrangimento dos que se entregam à casualidade das falhas. Ela vai pra onde mora a pulsação do mundo. Como quem não quer nada, ela quer ter pra onde voltar.
E o sorriso nos lábios é uma advertência: evidências da luta não há (...)

Vai menina, deixa o teu sorriso transformar o mundo...