cirandas

Reza a lenda que pelas bandas daqui e acolá um homem vivia só, a caminhar pelas estradas. Atendia por muitos nomes e sua idade ninguém saberia dizer, pois seu rosto também parecia ter muitas faces. 
Senhor de si. Feitor das suas próprias regras. Com a vida sempre a pulsar na boca do estômago. 
Ele caminha assim, como quem não quer nada, tiquetaqueando ao sabor do vento. Leva consigo o compasso das horas, a medida dos mundos, o ritmo inabalável dos anos. 

Conta-se que se você conseguir olhar dentro dos seus olhos, ele te conta um segredo. 

Mas, não repare nos seus pés calejados. Não se engane com seus olhinhos repletos de candura. Em hipótese nenhuma lhe confidencie seus medos. Ele pode ludibriar você. 

É que assim como eu e você, ele sabe que a vida é uma caminhada. E ele é só mais um traseunte à cartear consigo, buscando o destino ao acaso. 

Ele também sucumbe à vaidade de ser quem é: alguém que não sabe viver à margem de si. 
Ele também não sabe se o relógio pontua o que é cedo ou tarde demais. Vive no intervalo entre o que "é" e o que pode-vir-a-ser. 
Assim como eu e você, ele também corre pra fugir da estagnação da própria existência. 
Quando é que devemos insistir no que temos ou nos permitir o outro, o novo? 
Ele também não sabe dizer. Então não o culpe. 

(...)


Reza a lenda que se você observar com cuidado vai descobrir que esse moço aí é o Tempo e se você olhá-lo no fundo dos olhos com carinho, ele te tira pra dançar numa tarde de domingo. 

o atacante do mundo

Dois chinelos demarcavam o gol. Chuteiras ele ainda não tinha, mas os pés descalços já trilhavam um destino. Dia após dia. Passo após passo. 

O chão de terra batida conhecia muitos descaminhos, mas ele não tinha pressa, deixava tudo ao tempo... 


Era um sonhador.  


Ele crescera ali, brincando no fundo da casa, criando asas na companhia dos passarinhos. A bola, já gasta, tinha sido presente da mãe alguns anos atrás. Se lhe perguntassem, talvez não saberia dizer quando a brincadeira deixou de ser apenas um passatempo. 


Em algum momento o sonho cresceu dentro dele. Tomou corpo, alimentou o espírito e ampliou os seus horizontes. 


Aquela bola era a promessa de uma vida melhor. Era a esperança amaciando os olhos das durezas do mundo...


Brincava quase sempre sozinho. Gostava de imaginar que os pés deslizavam pelo gramado macio de um estádio e que a arquibancada lotada ressoava ao longe. Aquele era o seu palco, ali ele era protagonista da sua própria história. 


(...)


O gol, demarcado pelo par de chinelos, parecia lhe encarar. Ele, por sua vez, fitava-o com resiliência. Com a certeza de quem sabe onde quer chegar. 


Aquela era a sua deixa.       


O menino, que também chamava Manoel, não conhecia o poeta, mas sabia que tinha um quintal maior do que o mundo. Isso acontece com aqueles que enxergam com os olhos do coração...


Todos os dias a distância ressignifica a presença.
A saudade transcende. Alarga o riso e acalenta o seguir.
O reconhecimento alcança o olhar e se estende pro peito.
O Amor conflui e alimenta o espírito.
A vida me conduz pro caminho e tudo é um processo

(...)

Hoje, eu acordei nos braços da paz e minh’alma foi abraçar o céu.
Hoje, pequena, nós fundidas em uno nos rendemos à mutabilidade da vida.  

Porque eu também tive medo da tua partida. Sabia? Também quis negociar com o acaso pra fugir do inevitável... É que nós, sempre tão acostumadas a sentir a vida à flor da pele, não soubemos lidar de imediato com “o outro lado”, não é? Mas juntas amadurecemos. Juntas, eu entendi que viver transcende a matéria.

Peço compreensão e humildade no caminhar todos os dias, vózinha. Agradeço a cada despertar, cada cura e renascimento. E aos poucos as curvas vão se tornando contornos mansos.

Eu entendi que a vida é vôo. Pertencemos à ela e ela nos pertence.

(...)

Me olha daí de onde estiver. Deixa o tempo ser muleta. Descansa da vida. Experimenta o mundo.
Há muita liberdade esperando por você!

Mas, pousa teus olhos aqui de vezenquando. Me dá tua benção astral. Me ensina a viver o agora. Me mostra como ouvir com menos susto esses sussurros de dentro.

Levastes uma parte de mim, mas deixastes outra tua que me acompanha sempre.

Bons ventos e pousos especiais, passarinho!

imperativo

Fortalece tuas raízes. 
Amplia teus horizontes.
Semeia. Floresce. Transmuta.        

Conecta.                         
                Filtra.         
                               Consente.                                                                
                                                   E pulsa.  
                                                                 

Celebra com graça. 
Diz a tua gratidão.
Cultua o riso. Absorve a paz. Contempla o céu. 
Abre as tuas asas e te entrega: liberta-te.
Luta. 
Te impõe a ti mesmo.
Contesta os moldes.  

Deixa ir. Acende o olhar.
A b r a n d a
Abre o coração na mesma largura do sorriso.
Sonha! 

Imerge em si e implode.
Seja quem tu és. E se ama.

A vida pertence ao que flui...




univalente

Gosto mesmo é da tua simplicidade                    
O modo displicente com que o sorriso lhe vagueia nos lábios; da alegria primaveril que carrega nos olhos...

Gosto mesmo é destes encontros que abraçam o instante sem querer, e de tudo que floresce de mansinho no limiar árido do cotidiano

(...)

Mas, desconheço teus despropósitos. Não sei do acaso ou dos teus casos passados que me põe em maus lençóis na tua cama
Mas sei da impermanência. Do alvoroço das horas. Do ritmo dissoluto do tempo. De tudo que se finda em silêncio e repousa em desassossego dentro de cada um de nós.

O destino dos eleitos é saber olhar pros desvãos do mundo com os olhos do coração


Mas menino, eu não posso creditar os teus medos, só sei viver de levezas

na retina e no coração

Quando a gente se encontrar esquece tudo o que eu deixei de ser
Quem sabe eu ainda possa lhe mostrar aquilo que te escapa...
Porque silenciar certas coisas é dar voz a tantas outras que já não cabem no dizer...

Quem sabe a sorte que o vento nos trará? 

O mundo vive por um gatilho, meu bem...
E seguir em frente também é fenecer

(...)

Para o amor: amor em troca

Para nós: toda a imensidão que nos couber 

do que fica

O verbo é gasto, o tempo atrasado
e daqui pra trás já não sou: o amor morreu em nós. 

nós que sempre fomos tanto e muito 


(...)


mas, me falta o meio termo: a máscara de mulher pra eu poder entrar em cena. 

porque esse silêncio é um epílogo mal escrito de nós dois
e fui mais do que somos: eu quis ser céu
porque um dia, você me disse que os nossos horizontes não devem ser limitados

por isso coube a nós ser reticências (...
)