umbilical

Não tenho muito que dizer, eu acho. As coisas continuam iguais. O velho e miserável desfilar de programação social. E qualquer motivo é pretexto. Qualquer motivo é consolo. E eu só quero que tudo isso acabe logo para que eu possa desistir de tudo, poder ir embora logo e voltar para casa de uma vez por todas. Voltar pros meus vãozinhos e para toda aquela obsessão de continuar a esperar o que nunca vai vir. E voltar chega a ser tão arriscado quanto foi a ida. E eu dizendo para mim mesma que tudo bem, num conformismo barato de quem finge que não sabe, mas que toda hora vai lá espiar para ver se é mesmo verdade. Porque já foi. E Sempre vai ser assim. Porque as janelas continuam como antes: bloqueadas. E me resguardam, apesar do desespero e a necessidade em que precisam ser abertas. E tudo para quê? Para a gente terminar caindo na própria armadilha... É só que antes, eu costumava ser aquela que recebia todas as recompensas por bom comportamento e hoje, hoje eu só me pergunto em qual espelho foi que aquela lá ficou perdida (...)

pois bem

Não durmo há dias e tenho a sensação esquisita de estar morrendo de sono mesmo quando estou dormindo. As horas se agarram nos ponteiros e quase saltam do relógio, insaciáveis, prontas para me devorar. E eu já nem sei mais o que é efeito do sono e o que foi -e é- realmente sonho. Os dias parecem se dividir e com eles eu me divido também. Me divido em tantas e no final termino sendo só mais uma, qualquer uma. Termino entregue a mim mesma, refém do meu próprio crime. Cúmplice da minha própria culpa. É que de repente, isso de não-poder-também me fez tão mais pequena e exposta pro bueiro que é isso tudo entende? E tudo se esgota, tudo pede pelo fim. E eu termino tão mais vulnerável do que isso não me permite ser. E sabe o que é pior? Não são as circunstâncias, as mentiras e todo aquele teatro barato. O pior nisso tudo é conseguir sair ilesa. E essa impunidade ofende mais do que agride. É uma dor superficial. Incomoda, mas não machuca. Mas no fundo, lá no fundo eu sabia que isso ia acabar acontecendo, sempre soube. Eu que sempre pareci tão óbvia e agora ando cheia de farpas (...) E me pego aqui tão sozinha, escondida na madrugada, descendo as escadas feito uma fugitiva para ir chorar com o meu cachorro feito uma criança assustada que precisa do ursinho pra noite se fazer mais amena. E o meu problema, está justamente em querer olhar o que o medo me guarda debaixo da cama (...)

permanência inconstante

Essa não é mais uma das minhas inúmeras e indefesas cartas de despedidas ou novas tentativas frustradas de recomeços que se estendem para folhas em branco. A verdade é que nem eu mesma sei por que ainda me sujeito a comprometer-me com palavras inacabadas e ensaios improvisados de abdicar pensamentos soltos. É que travestidos assim, entre linhas mal escritas e incógnitas mal resolvidas, os problemas chegam tão perto de um talvez-não-seja-mesmo que a minha vida ganha um amargo-doce que eu quase tenho vontade de vivê-la algum dia... E eu ainda tenho tanta coisa não dita que preciso dizer que me falta apatia e um dicionário inteiro para eu me virar do avesso e não dizer de novo as mesmas coisas de antes. Porque de repente eu sou só o que restou de ontem. Eu que adoro aparecer e estou sempre tão disponível ao anonimato. E nem percebo que não cheguei a ser metade do que eu ainda tento não transparecer. Eu, imaculada errante que sou pássaro solto e me contento com a liberdade das minhas próprias grades. E mesmo que pareça estupidez, luto para aceitar a tempo. Aquele tempo, o dos olhares cegos, das ameaças rejeitadas e todo aquele confessar de pecados inocentes que eu nem ao menos me permitia esconder. Porque o amor, terminou engasgado, os castelos se esfarelaram e a madrugada terminou ofuscando o fulgor da noite, entristecendo o que um dia, foi também sorriso. E eu nem me permito afundar o pé nessa dor para chorar, porque quando finjo que me esqueço mal percebo que acabei de me lembrar. Mas não se preocupem, não fico por muito tempo. Às vezes demoro um pouco mais, mas sempre acabo voltando para o devido lugar que me foi designado.

sábado

Perdi a conta de quantas vezes tentei começar isso e mais alguns outros rabiscos agora à noite. Talvez um pouco de sono e essa música de letra repetitiva não ajudem muito. Ou talvez seja só eu mesma em sintonia errada com as palavras e todo o mais. Mais que ainda acaba sendo pouco perto de todo o resto que ainda está por vir. E tudo na mesma. E nem por isso ainda iguais. São dias não-ditos, de palavras repetidas e horizontes mesquinhos. Esmalte descascado, livros lidos pela metade e aquela sensação azeda e desoladora de desistência, do se entregar pelo jeito errado (...) E os cinco minutinhos a mais de manhã vão se estendendo, assim como os meus limites que já são quase elásticos. E coisas que deveriam ser importantes vão ficando à margem dos problemas. E esse acúmulo que invariavelmente a gente cria, acaba sendo também a aceitação da não-mudança. E eu aqui, debruçada num “amanhã eu conserto” que nunca chega, nunca passa. Esquecida atrás dos fones de ouvido com aquela cara-de-pau de adulto velho que fura fila em parque de diversão. Vivendo um rascunho de uma realidade que eu própria inventei. Como uma intrusa, na minha própria vida.