hiato

Pareço uma principiante. Meus dedos se movem hesitantes sobre as teclas e se deparam com uma vastidão descorada que me encara desafiadora. As palavras parecem me provocar: insinuam-se num jogo cego e interminável de vigilância e renúncia. E me cegam (justamente por) no instante momento em que me abrem os olhos. E me manipulam pra dizer as coisas que me escapam quando o verbo se esgota. E me perscrutam com aquela velha perícia letal de quem nada deixa desaperceber... Sempre tão ambivalentes e –ainda assim- fatídicas.

É que nós duas seremos sempre principiantes. Eu, sempre desabituada às minhas próprias particularidades. E elas, sempre despreparadas a dar vazão às imensidades que me inflam por dentro.

solar

Menino,

Não sei da tua demora, mas ainda é em tempo. Talvez eu pareça atrasada, mas na verdade não quero me precipitar, entende? É que ainda desconheço esse caminho, mesmo já tendo percorrido por tantas e tantas vezes estas calçadas tortas... E tu és multidão. Eu me entreguei pros teus despropósitos e você se deixou vencer com displicência. Não foi? Porque não há nenhum horizonte que contrarie esse nosso jeito simplesinho de viver... Então perdoa o meu desalinho, minha falta de jeito pra lidar. É que você quis fazer morada no que há de inóspito em mim e eu não tive teto pra isso tudo, entende? Nem tato... Às vezes isso tudo se parece com descaso, mas é só medo... Porque eu também já flori em outros jardins. Eu também não entendia a singeleza desse sentimento que só sabe ser grande nas suas minúcias. Por isso continuo deixando as reticências falarem por mim. Porque o tempo leva por diante todas essas coisas que se findam em silêncio. Entende? E você não sabe das esperanças que eu guardo no peito -em desassossego- fiadas no tempo a esperar...

Perdoa esse meu coraçãozinho mundano e errôneo que eu levo comigo. Perdoa, porque esse coraçãozinho vagabundo mesmo calejado, continua 
-ainda assim- intato

(...)


A gente precisa mesmo é saber aproveitar os desencontros. 

subsequente

Então... atenho-me a todos os detalhes

Eu: que nunca soube lidar com o que é tangível
E vivo -distraidamente- a cartear com a sorte


Porque o tempo é penhor de calma e tormenta. 

E, ás vezes, a gente precisa desancorar de si pra não correr o risco de acabar afogando na superfície de nós mesmos. Entende? 

insolúvel

(...)

Mas o coração, menina
este só é indomável, justamente por não se saber livre... 



nós

Você é abismo. Eu sou imensidão. 
-você: que tem nome do meu poeta preferido-

(...)

Mas o invisível é o que te cega, menino 
E teu riso é saudade. E meu desatino.
Mas teu escudo me ataca. E o tempo é pressa e corre por nós. 

Porque amanhã é muito longe. 

(...) 

Você é abismo. Eu sou imensidão. 
E nós: covardia. 

éter

Vezenquando a gente precisa deixar as coisas se esvaírem. Porque, às vezes, as coisas precisam se esgotar. Como se tivéssemos que renunciar à nossa própria felicidade pra podermos ser um pouquinho mais... felizes, entende? 
Porque a gente se finda em si mesmo. 
E esse imediatismo sempre estará presente entre nós. 
Nós, que sempre fomos tão subservientes ao tempo. 
Não é? 

(...)

Mas eu não sei como "levar isso adiante". Às vezes, é como se eu estivesse atrasada o tempo todo, entende? E sempre parece tarde demais. 
Por isso continuo reticente. O silêncio pontua o que eu deveria dizer e eu continuo calada...

É que a gente não conta o que as reticências escondem...

vertente


A confusão me escorrega do peito e o sossego toma conta do tempo...
As pálpebras esbarram no sono;
O sorriso vagueia nos lábios;
A poesia se esconde nos dedos e me cinge os olhos com um pouco mais de cor

(...)

Deixa essa alegria nos consumir com sutileza. Porque toda finitude se paga com brevidade e resistir à luta é um jeito –meio atravessado- de se entregar a ela, não é?


poente

Ô menina, desinquieta esse peito...
O infinito do acaso cabe num instante. 
E a felicidade é o mérito imerecido de quem vive essa inconsequência que é ser

(...)


O silêncio é que dá voz pros teus fantasmas...


repouso


Estica teus horizontes pra eu poder te alcançar. Faz do teu coração o teu porto e dos teus olhos vitrais pro mundo real.

Porque é preciso tragar a vida com displicência. Entende?

(...)

Doa-te a ti mesmo
Veste-te com os teus arco-íris
E cerca-te sempre de sorrisos pra eu poder sorrir também. Porque o teu riso é palco da minha alegria.

Mas, entrega-te aos teus anseios de quando em vez. 
Às vezes, é preciso silenciar o coração...

Porque nessa vida também se padece de alegria, menino... 

fosforescências

Essa história começa com um ponto final. O tempo tem o instante da aurora. A impermanência do ser. A fugacidade do estar. 

(...)

Essa história é sobre tudo o que não restou. Meu silêncio já não cabe no verbo e sou toda reticências: incontínua. 
Eu sou todo breve pulsar que me devora. 
E esta é a mecânica do caos. 

floreios


Deixa o que se partiu nas quebradas da vida, meu bem. E vem. Vem porque eu te espero...

Vamos dançar nos contornos do mundo, destruir nossos muros pro que ainda há de vir. Vamos colorir os silêncios, florescer mais uns sonhos e inventar mais desculpas pra gente ser feliz.
(..)

Vem cambalear nas esquinas, cuidar da minha sina, enfeitar a minha solidão. Vamos chatear os sóbrios com nossos desatinos e zombar dos destinos que insistem em esconder aquilo que estamos procurando.  
Vem porque tudo pede urgência quando teus olhos me alcançam. Vem ligeiro. Vem inteiro. Vem por nós desatar o que já não tem mais jeito.
(..)

Deixa a pressa lá fora, traz café e abrigo. E vem. Vem que somos um do outro enquanto quisermos ser.
E eu sou tua. Tua casa, na-morada...

Quando vens, pra ficar?

redemoinhos


Se espreguiça que o mundo acabou de acordar. Abre as janelas e vê: borboletas bordam a primavera no céu. Põe tua fantasia e vem ser quem tu és, menino. Nosso amor anda girando nas cirandas da vida e quase sempre me lembro de ti nesses momentos em que o mundo parece deter-se suspenso. Teus olhos são bolinhas de gude. E me confundem. Mas, eu decorei teus passos pra seguir teus caminhos. Tu: que açucarou os meus dias com teus desvarios e me fez tão feliz que eu quis emprestar minha alegria pra você sorrir
(...)

Meu coração é bússola, mas você se perde e não vê.