Relicário

Eu nasci pra querer. Querer viver. Preciso de ar, mais do que apenas respirar. E vivo assim, só de imaginação. Eu que sempre termino me desfazendo em palavras, mas que palavra mesmo eu não tenho: nunca cumpro o prometido. Eu que carrego o sol como amuleto e tenho sede de mundo. E já não caibo mais em mim. O coração salta pelos olhos, pela boca e me devora. Se condensa e me perdoa. Eu que nunca fui santa. E é só contração do sono que perde a voz e de repente eu já não sou. Ando mais livre, mais de mim. E de todo mundo. Do meu mundo, que respira lá fora. Fora de hora. E é inconsciente brincando de crime enquanto todo mundo dorme. E eu aqui, de olho aberto. Falando mentira no confessionário. Talvez, seja só um certo prestigio particular que acaba virando dor, contumácia e eu perco o sentido. Sentido que eu nunca tive e vivo fugindo pra não ter. Mas acho que mesmo se eu quisesse não conseguiria jogar tudo assim pro alto e o nome disso? É orgulho. E o meu é totalmente solúvel em raiva. Nada mais do que aqueles desaforos que a gente gosta de mastigar e quando se dá de ombros demais, eles escorregam e se agarram à gravidade virando força e você continua ali, de pé. Porque é sempre esperança, mesmo que latente, mesmo que ignorada: é. E no dia seguinte a dor vira ressaca. Erro que ganha cara de rascunho. E fim não é perda, anota ai: é TRANSFORMAÇÃO. Indolência que pede bis e que às vezes diz que é preciso se entregar. Esquecer pra deixar eles lá se lembrarem. Porque publicidade coloca auréolas até mesmo nos piores demônios e contraregras fazendo moda até que ficam bonitinhos... E aquelas horinhas vão virando eternidades. Múltiplas escolhas que ficam a margem da coletividade. Entretanto entretido que intervém e entretém entre tudo. E todos. E eu venho aprendendo a confiar nos outros pra depois confiar em mim mesma. Bem aquelas estratégias com prazo de validade que fazem você buscar forças lá nas suas próprias fraquezas. Mas nem sempre o que vale é a intenção. Pior do que a mentira é acreditar nela. E quer um segredo? A privacidade dos disfarces prende mais do que o próprio cárcere em si. E o pensamento sufoca a imaginação. E eu ainda tento falar do que nunca senti e as minhas escolhas acabam se fazendo por si só, tão independentes que eu nunca sei quando o ponto de partida é o pontapé inicial ou o desfecho convencional. E a gente aqui. Como se fosse assim, como se tudo se resumisse a isso.

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